Homilia de Frei Josué – Solenidade da Natividade de São João Batista – Comunidade Mel de Deus
“Desde o ventre de minha mãe, Ele me chamou. Fez de mim flecha afiada, e me escondeu na aljava.” (cf. Is 49,1-2)
Se não encontrarmos o nosso lugar — o lugar para o qual fomos criados e, consequentemente, a missão que Deus nos confiou — nós nunca seremos verdadeiramente felizes.
Felicidade não é ter todos os bens, não é não ter problemas, não é ter todas as possibilidades. Há pessoas com tudo isso que vivem na tristeza, mergulhadas em vazio, até mesmo na depressão.
A felicidade aqui na Terra é descobrir e viver a missão que Deus pensou para nós. É realizar a vontade específica do Senhor sobre nossa vida. É caminhar no plano de amor que Ele escreveu para nós antes mesmo do nosso nascimento.
A primeira leitura de hoje diz:
“Tu és o meu servo, em quem serei glorificado. O Senhor me chamou antes de eu nascer. Desde o ventre de minha mãe, Ele tinha na mente o meu nome. Fez de mim uma espada afiada, protegeu-me à sombra de sua mão, fez de mim flecha aguçada e me escondeu na sua aljava.”
Você sabe o que é aljava? É aquele suporte que o arqueiro carrega nas costas, onde ficam as flechas escolhidas.
Assim somos nós: flechas nas mãos de Deus, feitas para atingir o alvo. Mas se a flecha quiser voltar para si mesma, ela se perde. Se quiser brilhar mais do que o Arqueiro, ela falha.
Nós somos flechas — não o alvo.
Crises também fazem parte da missão
O profeta chega a dizer:
“Trabalhei em vão, gastei minhas forças sem fruto, inutilmente…”
Quantas vezes também nos sentimos assim!
Até os grandes homens e mulheres de Deus passam por isso. A missão tem cruz, tem deserto, tem silêncio e até sensação de fracasso.
Mas logo ele diz:
“Entretanto, o Senhor me fará justiça, e o meu Deus me dará recompensa.”
Por quê? Porque é na fraqueza que Ele manifesta a Sua força. Porque a glória é d’Ele, não nossa.
“Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que se revela a força.” (2Cor 12,9)
João Batista poderia ter se feito messias…
Mas não o fez.
Se João dissesse que ele era o Messias, muita gente acreditaria. Sim ou não? Sim!
Aos olhos humanos, João parecia até mais santo do que Jesus. Era penitente, jejuador, vivia no deserto.
Enquanto Jesus foi chamado de “comilão e beberrão”.
João tinha a chance de atrair para si. Mas não era sobre ele. Nunca foi.
Ele diz com clareza:
“Depois de mim vem Aquele do qual eu não sou digno nem de desamarrar as correias das sandálias.”
Esse gesto — desamarrar sandálias — era o trabalho do escravo. João se reconhece servo indigno, mas ainda assim, escolhido e capacitado por Deus.
Não atraia ninguém para si
Não deixe que as pessoas se apeguem demais a você.
Não faça com que fiquem dependentes de você, do seu ministério, da sua palavra.
O verdadeiro profeta leva sempre para Jesus. É seta, não espelho.
“É necessário que Ele cresça e eu diminua.” (Jo 3,30)
Santa Faustina ouviu de Jesus:
“Não dê muita atenção ao instrumento que uso para te trazer a graça. Dá atenção à minha graça. O instrumento pode falhar. A minha graça não falha.”
João Batista: desde o nome, tudo é profético
Quando João nasceu, queriam dar-lhe o nome do pai: Zacarias.
Era o único filho, tão esperado, tão querido… seria uma bela homenagem.
Mas Deus já tinha dito o nome: João — “Deus é graça”.
Isabel confirma: “O nome dele é João.”
Zacarias obedece. E quando escreve esse nome, sua língua se solta. E ele louva a Deus com o cântico do Benedictus.
João Batista já nasceu como sinal profético, e a alegria tomou conta do povo. Todos perguntavam:
“O que será deste menino?”
A história de outro menino: Raimundinho Kolbe
São Maximiliano Maria Kolbe, ainda pequeno, muito travesso, irritava a mãe.
Um dia, ela gritou:
“O que será de ti, Raimundo?”
Tocado por isso, ele correu até a igreja e, chorando, se ajoelhou diante de Nossa Senhora:
“Mamute… o que será de mim?” (Mamute: “mãezinha”, em polonês)
E Nossa Senhora aparece.
Mostra duas coroas: uma branca (pureza), outra vermelha (martírio).
E diz:
“Com a branca, você será sempre casto. Com a vermelha, sofrerá muito por amor a Jesus.”
E ele responde:
“Eu quero as duas.”
Ali, sua vida mudou. Ele se tornou um homem extraordinário, puro e entregue, que deu a vida por um pai de família em Auschwitz.
Só há dois caminhos para servir a Deus: a inocência ou a penitência. O amor ou a dor. E os santos não escolhem apenas um. Querem os dois.
Uma pergunta que ecoa até hoje
Talvez hoje, você esteja como Raimundinho: perdido, distraído, até travesso espiritualmente.
Mas hoje o céu te pergunta:
“O que será de ti?”
E você pode responder:
“Senhor, eu quero amar. Eu quero ser aquilo que Tu queres de mim.”
Talvez eu não tenha sido, até hoje, aquilo que Deus quer de mim.
Mas hoje me levanto e digo:
“Senhor, eu quero ser flecha lançada da Tua aljava. Não quero voltar para mim mesmo. Não quero ser obstáculo. Quero Te apontar com a minha vida.”
“Mamute, o que será de mim? Que seja feita a vontade de Deus.”
🙏 Oração final
Senhor, como João Batista, eu quero diminuir para que Tu cresças.
Como Maximiliano, eu quero pureza e entrega.
Como Zacarias, eu quero obedecer e cantar a Tua vontade.
Que minha vida seja uma flecha lançada ao Teu coração.
Que eu não me perca em mim mesmo, mas seja instrumento fiel.
Amém.